Lamento de Pobre
Vivo de changa e trabalho que me arrebento
Já não aguento tô quase desesperado
Tive vontade de abandonar a querência
Porque a firma abriu falência e eu ando desempregado
Maldita crise é que me trai no sufoco
Tô quase louco, já não sei o que fazer
E uma miséria por perto rondando a gente
Se não mudar o presidente só até capaz de morrer
Tô mais delgado do que chino piqueteiro
Sem serviço e sem dinheiro, eu não posso pagar o mercado
E o meu crediário, há tempo, já se acabou
Minha panela enferrujou, já não me vendem mais fiado
Meu biongo véio' balança pior que uma rede
Tá sem parede, apodreceu o santa fé
Olho pra cima, só enxergo o céu como abrigo
E a muié' braba comigo por faltar o pão do café
E a criançada sofrendo desesperada
Desatinada por não comer quase nada
Não brincam mais, a metade passa chorando
E o resto se coçando d'uma sarna desgraçada
Tô mais delgado do que chino piqueteiro
Sem serviço e sem dinheiro, eu não posso pagar o mercado
E o meu crediário, há tempo, já se acabou
Minha panela enferrujou, já não me vendem mais fiado
Minha barriga chega roncar de vazia
De meio dia, quando eu deito pra sestear
Caio na cama e penso em ficar sossegado
E um pulguedo desgraçado não me deixa eu descansar
Quando eu me deito, é pior que ninho de sorro
Tem pouco forro, me bate um frio e me entangue
Eu perco o sono, rolo até de manhã cedo
E, quando se acalma o pulguedo, o fincão me chupa o sangue
Tô mais delgado do que chino piqueteiro
Sem serviço e sem dinheiro, eu não posso pagar o mercado
E o meu crediário, há tempo, já se acabou
Minha panela enferrujou, já não me vendem mais fiado
Rezo pra Deus pra que alguma coisa me reste
Morreu da peste o meu galo topetudo
Sem geladeira, já entra o verão de novo
Me bate um calor nos ovo' que quase apodrece tudo
Minha cadela enxerga a caça e não se atraca
Tá muito fraca, já não rusga pra ninguém
E um cusco magro que, nesses dia', ele tomba
Dá mordida até na sombra de tanta fome que tem
Tô mais delgado do que chino piqueteiro
Sem serviço e sem dinheiro, eu não posso pagar o mercado
E o meu crediário, há tempo, já se acabou
Minha panela enferrujou, já não me vendem mais fiado