Pedro Pedreiro Parou de Esperar
Eu andei sem nada pelo mundo
Eu dependi da classe mais pobre dos mais pobres
Que vencedor que nada, eu não 'to aqui pra competir
Quem é que disse que a vida é uma competição?
Aí compete marido com mulher, vizinho com vizinho
Irmão com irmão, colega com colega
E nessa sociedade competitiva
A minha derrota é a minha vitória
Nasci pobre, favelado, sem recato e sem madrinha
Vi meu pai estuprar minha mãe, muito doido de farinha
Logo cedo fui pro mundo, assaltar, catar latinha
Tinha sangue nos meus olhos porque a raiva me convinha
Cresci na rua e vi a crua crueldade do animal
De cimento fiz a cama e de grades meu varal
Desprovido e excluído no sentido literal
Menos apto segundo o darwinista social
Aos vinte veio a sorte num abrigo milagreiro
Onde aprendi as letras e o ofício de pedreiro
Acordava ainda escuro, no flagelo por dinheiro
Não esperava do futuro o alívio derradeiro
Construí um shopping onde eu nunca passeei
Prédios e escolas onde eu nunca estudei
Ao lado de Mariléia eu formei uma família
E o amor que nunca tive, vi nos olhos da minha filha
No mar competitivo meu lar era uma ilha
Até que um dia o infortúnio cruzou a minha trilha
Canelas pretas e blindados invadindo a favela
Gritaria, moto-taxis, confronto na viela
Um senhor de braços fortes como um escravo de benguela
Agonizava nos meus braços, alvejado na costela
Toda a minha vida e o que vira até então
Fez sentido nas palavras desse velho ancião
Vítimas e algozes, todos somos, todos são
Nas metrópoles em chamas, irmão contra irmão
Não espero mais a morte, nem o norte nem o trem
Eu me chamo Pedro, e você sou eu também