Duas Vezes Escrava
Carlos Drummond de Andrade
A sorte, se presenteia
A todos doença e fome,
Para as mulheres capricha
Num privilégio sem nome.
Colhe miséria maior
E diz à coitada: tome.
É forma de escravidão
A infinita pobreza,
Mas duas vezes escrava
É a mulher com certeza,
Pois escrava de um escravo
Pode haver maior dureza?
Por isso aquela mocinha
Fez tudo para iludir
Aos outros e ao seu destino.
Mas rola não é tapir
E chega lá um momento
Da natureza explodir.
João vira joana: acontecem
Dessas coisas sem preceito.
No seu colo está joãozinho
Mamando leite de peito.
Pelo menos esse aqui
De ser homem tem direito.