Manuel de Sousa Sepúlveda
Que Deus te perdoe Sepúlveda
O que foste fazer
Sepúlveda
Abandonaste o teu filho bastardo no mato
O mais fraco da fome a morrer
Que Dues te perdoe
Deixou-se ficar tão pequeno
Sem um consolo, um afecto
Tão pequeno e sozinho
Muito quieto
Ajoelha-te ao menos Sepúlveda
Perdeste o entendimento
Sepúlveda
Aquele pranto é o teu filho entre os fenos
Comido pelas feras
Gemendo, gemendo
Ajoelha-te ao menos
Ficou para trás tão cansado
Soluçando por ti tão baixinho
Tão cansado a tremer de medo
O teu menino
Nas serranias
Nos lamaçais
Nas penedias
Nos matagais
Nos matagais
E a tua gente de costas viradas
Viradas as costas de pura vergonha
Vergonha pura pela tua nudez
Nudez pela tua miséria e peçonha
Peçonha e miséria de gente espancada
Espancada esta gente despida e calada
Não vendo em ti salvação os incréus
Entram pelos matos, buscam os céus
Vão indiferentes meio aluados
Mais indigentes, transfigurados
Encomendam-se aos santos
Lavados em prantos
Louvados
Sejam louvados
Louvados
Levanta-te agora Sepúlveda
Quem olha por Leonor
Sepúlveda
Foi a tua mulher pelos negros despida
Pela força rasgada pela dor
Levanta-te agora
E diante dela tão magoados
Choram os teus dois filhos mais tenros
Tão magoados
E acabrunhados dos assombramentos
O que foste pedir Sepúlveda
Leonor quer antes morrer
Sepúlveda
Rogaste que se deixasse despir
E despida ela ao menos pudesse viver
O que foste pedir
Se de vergonha ao ver-se tão desnuda
Se cobriu toda numa cova na areia
Tão desnuda que não mais se ergueu da terra já derradeira
Nas serranias
Nos lamaçais
Nas penedias
Nos matagais
Nos matagais
E a tua gente de costas viradas
Viradas as costas de pura vergonha
Vergonha pura pela tua nudez
Nudez pela tua miséria e peçonha
Peçonha e miséria de gente espancada
Espancada esta gente despida e calada
Não vendo em ti salvação os incréus
Entram pelos matos, buscam os céus
Vão indiferentes meio aluados
Mais indigentes, transfigurados
Encomendam-se aos santos
Lavados em prantos
Louvados
Sejam louvados
Louvados
Reza a tua oração Sepúlveda
Por Leonor e por Deus
Sepúlveda
Se nenhum caso fizeste dos teus filhos deixados
Agarrados à mãe que morreu
Reza a tua oração
Por aqueles matos tão adentro
Sem chorar nem dizer coisa alguma
Tão adentro
Partiste p’ra sempre sozinho
Sepúlveda
Sepúlveda
Que Deus te perdoe