Antigamente

Manoel de Almeida

Meu velho Fado Corrido
Se foste dos mais bairristas
Porque te mostras esquecido
Na garganta dos fadistas?

Explicou-me um velho amigo
Como o Fado era tratado
Tinha graça, o Fado antigo
Da forma que era cantado

Um ramo de loiro à porta indicava uma taberna
À noite era uma lanterna
Com sua luz quase morta

Como o fado tudo importa
Foi sempre a taberna abrigo
Do meliante ao mendigo
Da desgraça e da miséria
Também tinha gente séria
Explicou-me um velho amigo

Sob os cascos da vinhaça
Deitada em forma bizarra
Estava sempre uma guitarra
Para servir de negaça

O canjirão da murraça
De tosco barro vidrado
Andava sempre colado
Aos copos p’lo balcão
E era assim nesta função
Como o Fado era tratado

Se aparecia um tocador
Às vezes até zaranza
Pedia ao tasqueiro a banza
Para mostrar seu valor

Logo havia um cantador
Dando o tom de certo perigo
Provocava o inimigo
Num cantar à desgarrada
Até às vezes com lambada
Tinha graça, o Fado antigo

Pouco tempo decorrido
Cheia a taberna se via
Pra escutar a cantoria
Ao som do Fado Corrido

Todos prestavam sentido
Quando alguém cantava o Fado
O tocar era arrastado
O estilo dava a garganta
E hoje pouca gente o canta
Da forma que era cantado

Escutei com atenção
Um cantador do passado
E a sua linda canção
Prendeu-me pra sempre ao Fado

Por muito que se disser
O Fado é canção bairrista
Não é fadista quem quer
Mas sim quem nasceu fadista

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