Por Onde As Casas Andam Em Silêncio

Juliano Holanda

Um trilho, um barco, um traço no papel
Um vaso transbordando água da chuva
Um tronco, um céu borrado, um véu sem véu

Um azulejo gasto, as unhas sujas

Do tempo que passou limpando as unhas
O eco dos invernos e dos grilos
O absinto das algas marinhas
O tanto que aprendi riscando os vidros

O álcool das promessas esquecidas
O cravo das verdades inventadas
Palavras que escutei sem serem ditas
E outras que falei sem dizer nada

Um signo regido por si mesmo
Um erro repetido por mil vezes
Um banco num jardim com flores secas
Palavras que se perdem mas não rimam
Todas essas coisas me contaminam

O árido rumor que vem dos livros
Os intestinos longos da saudade
Um sino de metal rachando a tarde
Tornando as coisas ′inda mais confusas

O amor e seus cabelos de medusa
O amor e seus recibos não guardados
O amor e seus caninos arqueados
O amor e seus passivos agressivos

O penúltimo dos últimos avisos
Os adesivos rotos do passado
O passo que antecipa o outro passo
A ponte desabando lentamente

Um quarto quente cada vez mais quente
Até que em torno tudo se congele
Camada fina sobre o sal da pele
Enquanto os travesseiros se harmonizam
Todas essas coisas me contaminam

A prataria herdada da família
A ventania solta pela casa
Um pássaro arrancando a própria asa
Cuidado com aquilo que deseja

Um gárgula no alto de uma igreja
Um corpo descartável um artifício
Tijolos empilhados com desleixo
A forma geométrica dos cílios

As ilhas deslizando meio a esmo
A horta consagrada a um Deus asteca
Um Deus criando o fogo, um outro a água
Pra fonte que não jorra e nunca seca

Um velho projetando labirintos
Um rosto parecido com um espelho
O leite das estrelas noite adentro
Alimentando os ermos vilarejos
Por onde as casas andam em silêncio
Todas essas coisas me contaminam

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