Décima de Um Gaudério
Um semblante de primavera
Misto de flores e espinhos
Se estendeu por toda a estrada
Projetou sombra e aguada
Por d'onde cruzo caminhos.
Fui dando espaldas pro rancho
Cruzei pra lá da cancela
Sentei as garras no pingo
Busquei a volta do estribo
Com a mão canhota na rédea.
Na direção do horizonte
Meu pingo trocava orelha
E a espora dava o comando
Pra ele sair tranqueando
Riscando-lhe a barrigueira.
E o rancho que eu mesmo fiz
Nobre e de simples valores
Guarda um ar de despedida
Virou tapera dormida
Aos olhos dos cruzadores.
Por gaudério, hoje distante
Mateio à sombra dos móleos
O pingo livre da cincha
Atado à soga relincha
Vejo a saudade em seus olhos.
Saí para amansar distâncias
Com a alma de olhar profundo
Pois nasci de alma andeja
E desde piá, com certeza
Sonhava andar pelo mundo.
Mas se por acaso o pingo
Relinchar com insistência
Desato a soga que o tranca
E dou-lhe um tapa na anca
Pra que retorne à querência.
E sigo cruzando estrada
Porque gaudério sou eu
Dou um jeito nos arreios
A maior riqueza que tenho
É esse mundo de deus.