Evocação no Metrô de Washington Dc
Tarde da noite. Estou sentado num vagão de metrô vazio que vai rápido rasgando os trilhos. Dos dois lados os carros passam velozes. Saudade da infância. Saudade de meus velhos amigos que já não existem
mais. Saudade da Padaria Andrade – que já não existe - que fazia o melhor pão da cidade. O metrô sacoleja. A vida é uma passagem apenas de ida. Saudade do frei italiano Nazareno Marchelli, nosso vizinho, que tocava cantos gregorianos e ave-marias no serviço de alto-falante da igreja. Estou sozinho num vagão veloz de metro que não me conhece. Meus pés carregam a poeira de tantos caminhos perdidos. Saudade de seu Arlindo Borracheiro, que, como Homero, me contava, eu infante, estórias fantásticas de reinos maravilhosos perdidos e de gigantes, à sombra da grande e frondosa algarobeira. Saudade da minha velha vida. Da velha cidade que agora existe apenas em mim. O esquecido passa de novo pelos trilhos da memória, veloz. Saudade dos andores adornados nas procissões da padroeira em setembro com o frio severo nas ruas e nas almas e nós éramos anjos e tinhamos asas, e das velhas rezadeiras caminando lentas e entoando loas medievais no cortejo. Dentro do vidro da janela do metrô há um rosto perdido me olhando. Lá fora um outro frio que não conheço. De repente, sem avisar, o metrô pára numa estação vazia e as portas se abrem para meu passado. Vejo a Rua da Matriz s/n, a casa da infância repleta de alegrias, alegorias e flores. Vejo um menino brincando na chuva, atirando barquinhos de papel na enxurrada que se foi. De repente, sem avisar, as portas se fecham e me trancam de novo. O metrô range os dentes de aço. A vida é uma passagem apenas de ida...Tantas palavras se esqueceram de minha boca... A vida sacoleja dentro de mim. As luzes passam rápidas de um lado e do outro. As luzes que não me conhecem. A neve cai grossa conversando em outra língua. Agora tudo é outra coisa. Estou sozinho com a cidade adormecida que agora só existe em mim! O metrô avança veloz e indiferente pelos trilhos noite adentro, rasgando a escuridão e a vida. A vida que se foi para sempre e nunca mais vai voltar.