Cano na cabeça
Pai de família, cumpridor do seu dever
Atravessando rua escura, pra passar antes na padaria
E não chegar no seu barraco de mão abanando
A patroa esperando, a geladeira vazia
Após um dia fuderoso de calor humilhante
Após um ônibus saindo gente peloladrão
Coincidência ou não, ele avistou o moleque
Vindo em sua direção
Ele lembrou que era um sobrinho da vizinha
Mas ali naquela hora ninguém tinha mais certeza
Tudo rápido, como num pesadelo
O que dizer , o que pensar
Quando o moleque gritou:
Passa o relógio
E o cano na cabeça
Cano na cabeça
Coincidência ou não, era o primeiro dia do moleque
Tava nervoso, tava trêmulo, mas tava ali
Uma criança na ponta de uma pistola
Uma maneira diferente de pedir esmola
O dedo teve medo , o coração disparou
A bala atravessou o pensamento do coitado
O moleque se mandou, o pão caiu no chão
Por um relógio que custou cinco reais
Agora ali jaz um ex-cidadão
Coincidência ou não, um viralata que assistiu a tudo
Virou de lado e bocejou de sono
Ele já tava acostumado com o mundo cão
Cano na cabeça
O cano na sua cabeça
Eu quero uma palavra prá te distrair
Um analgésico prá te aliviar, um palavrão
Prá te puxar pelos cabelos
Um despertador prá avisar
Que o tempo tá correndo