O Navio Negreiro

Toni Vargas, Antonio Cesar De Vargas

Estamos em pleno mar
Era um sonho dantesco o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho
Em sangue a se banhar
Tinir de ferros estalar do açoite
Legiões de homens negros como a noite
Horrendos a dançar

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães
Outras, moças mas nuas, espantadas
No turbilhão de espectros arrastadas
Em ânsia e mágoa vãs

E ri-se a orquestra, irônica, estridente
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais
Se o velho arqueja se no chão resvala
Ouvem-se gritos o chicote estala
E voam mais e mais
Presa dos elos de uma só cadeia
A multidão faminta cambaleia
E chora e dança ali

Um de raiva delira, outro enlouquece
Outro, que de martírios embrutece
Cantando, geme e ri

No entanto o capitão manda a manobra
E após, fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar

Diz do fumo entre os densos nevoeiros
Vibrai rijo o chicote, marinheiros
Fazei-os mais dançar

E ri-se a orquestra irônica, estridente
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais
Qual num sonho dantesco as sombras voam
Gritos, ais, maldições, preces ressoam
E ri-se satanás
Senhor Deus dos desgraçados
Dizei-me vós, Senhor Deus
Se é loucura se é verdade
Tanto horror perante os céus
Ó mar, por que não apagas
Com a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?
Astros, noite, tempestades
Rolai das imensidades
Varrei os mares, tufão

Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz
Perante a noite confusa
Dize-o tu, severa musa
Musa libérrima, audaz

São os filhos do deserto
Onde a terra esposa a luz
Onde voa em campo aberto
A tribo dos homens nus

São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão
Homens simples, fortes, bravos
Hoje míseros escravos
Sem ar, sem luz, sem razão

São mulheres desgraçadas
Como Agar o foi também
Que sedentas, alquebradas
De longe
Bem longe vêm
Trazendo com tíbios passos
Filhos e algemas nos braços
N'alma lágrimas e fel
Como Agar sofrendo tanto
Que nem o leite do pranto
Têm que dar para Ismael

Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas
Viveram moças gentis
Passa um dia a caravana
Quando a virgem na cabana
Cisma das noites nos véus
Adeus, Ó choça do monte
Adeus, Palmeiras da fonte
Adeus, Amores Adeus

Senhor Deus dos desgraçados
Dizei-me vós, Senhor Deus
Se eu deliro Ou se é verdade

Tanto horror perante os céus
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?
Astros noite tempestades
Rolai das imensidades
Varrei os mares, tufão

E existe um povo que a bandeira empresta
Pra cobrir tanta infâmia e cobardia
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria
Meu Deus Meu Deus Mas que bandeira é esta
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio Musa Chora, chora tanto
Que o pavilhão se lave no seu pranto

Auriverde pendão de minha terra
Que a brisa do Brasil beija e balança
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança
Tu, que da liberdade após a guerra
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha
Que servires a um povo de mortalha

Fatalidade atroz que a mente esmaga
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu na vaga
Como um íris no pélago profundo
Mas é infâmia demais
Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo
Andrada, arranca este pendão dos ares
Colombo, fecha a porta de teus mares

Wissenswertes über das Lied O Navio Negreiro von Maria Bethânia

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Das Lied “O Navio Negreiro” von Maria Bethânia wurde von Toni Vargas, Antonio Cesar De Vargas komponiert.

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