Fantasma
Dói-me
Os braços, as costas, os cacos, as cordas
À minha volta como cobras a cidade
Nunca pára nunca muda
Sinto-me a viver com uma
Pistola na minha nuca
Vinte e quatro horas sobre escuta mas
'Pa quê? Não há arte, não há cultura
Nem liberdade
Nem uma pessoa que não seja bruta
Eu sou um fardo e a vida é injusta
E faço parte da cidade onde
O meu corpo ambula
Onde a medida é a carne e o que ela suscita
A obra construída se tens vincos na camisa
O teu poder de compra a tua honra
A tua virgindade
A tua disponibilidade para mais outra
Volta ou foda ou moca ou história meritória:
"Eu fiz, sou fixe"
Ya, eu sou lixo vais-me tratar mal por isso?
Vais-me rebaixar o meu estado mental e físico
Porque tu nem dás por isso e
Tens a língua cheia de vícios
Mas porquê que eu fico aqui
Se me sinto assim?
Porque hive mind é imperativo
Vai ouvir checka isso
Escrever e ser ouvido devolveu-me
O meu sorriso
Apesar de eu ser um ser que não merece
Ter amigos
Sou um abutre putrefacto, inculto e magro
Inusitado induzo nojo ao olho e ao tacto
Eu não faço sentido
Este corpo é um fato vazio
Que eu ilumino, mas é tão opaco
Que não deixa trespassar o brilho
É pesado e eu não consigo
Levitar, como é meu destino mas sorrio
Porque eu sei quem sou e onde estou
E eu sou mais do que isto
A vida é sempre mais do que isto
E tu também és mais do que isto
Será que sabes disso?
Eu não sou homem nem mulher
Preto, branco ou asiático nem
Patrão nem escravo
E valho o mesmo independente do salário
E seja quem fores, não penso como tu, aceita!
Sou apenas um miúdo confuso à espreita
Analiso, estudo
Sinto o mundo vivo que me rodeia
Só quero ser livre por dentro
Não 'tou aqui pa m'adaptar
Isso é um esforço que eu não compreendo
Chama-me besta chama-me puta
Chama-me demónio, lunático agarrado à fruta
Eu só sei que já 'tou farto de contar luas
'Té que me trates como gente
Apesar do meu silêncio e da minha introversão
Da minha recusa em trabalhar para um patrão
'Tou a viver o meu sonho
Os teus onde é que estão?
Aposto que és diferente quando
Estás em solidão
Eu sei que é difícil transcender a podridão
Mas relembro-me
Que às vezes momentos não sabem a nada
E o quanto isso é triste
O mundo inteiro é uma fachada
E só por nós não nos
Apercebermos é que ainda existe
Fantasma a deslizar no meu despiste
Despistado vivo atrás de ti mas
Tu também não estás aqui
Perdoa-me deslisboa-me
Não quero viver num Koan
A não ser que os nós desatem
E as árvores sejam livres
E se é p'ra viver no lixo, ao menos
Solta-me as asas pai
Pai pai
Ao menos solta-me as asas
Acho que andava na boa
Se adormecesse em telhados
Não me importava de ser lixo e
De viver entre as baratas pai
Pai pai
Ao menos solta-me as asas
P'r'eu sobrevoar Lisboa e não
Ver mais que metáforas
Só chillar com gente boa
E ignorar gente macabra pai
Pai pai
Deixa-me voltar a casa
Já que não andas aqui e só
Ris do que estes fazem
Em nome de ti, também vou ser assim
Mesmo que não possa ter asas