Retrato de Amália

Dezembro de 1968 19 de dezembro
Vinicius parte amanhã para Roma onde
Vai passar o natal
Esta noite, em casa de Amália
Há uma festa de despedida
Chego um pouco atrasado à reunião
Subo as escadas em bicos de pés
Mas ouço logo no patamar uma
Prolongada salva de palmas
Não, não são para mim as palmas
Compreendo, por um não-sei-quê de magnético
Que persiste na atmosfera
Que Amália acabou de cantar foram dois fados
Ambos com música
Por entre a penumbra que está na sala
Começo a distinguir alguns rostos
Amália, o Vinícius, a Natália Correia
O José Carlos Ary dos Santos
Mas nem há tempo para saudações
É justamente Ary dos Santos quem vai recitar

Deixe-me dizer o retrato todo a seguir
Posso? És filha de Camões, filha de Inêz
Assassinada voz de portuguesa
Cantando a nossa imensa pequenez
Com laranjas e gomos de tristeza!

É no claro Mondego dos teus olhos
Que se debruça o mal da nossa mágoa
Ao Tejo dos teus gestos que se acolhe
O nosso coração a pulsar água!

Falando desatada de saudade
Choras um povo, cantas a balada
Mais bonita que soa na cidade
De Lisboa, por ti apaixonada bonito
Bem, agora a Natália vai dizer
A defesa do Poeta ah não, não, não

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