Ofélia
Ainda te oiço jurar que estava destinado
Que é o teu o lugar que ela já tem ocupado
A mudança do fado, a volta que a vida deu
Como te parece ela Ofélia quando te sentes Romeu
Maldita hora em que te viu na escola
E pior quando se enamora e já os meses numera
Adianto-me, conversa solta noite dentro, tu
Deste-lhe a volta e ela abriu-te o peito
Quando aos 15 dizias a quem vier, todos quem conhecias
Que ela era a mulher com quem um dia casarias
E a miúda, outra criança, ria-se das parvoíces
E a esconder a esperança perguntava "tu não desistes?"
Ele pediu-lhe a mão e o braço
E ocupar tud'onde houvesse espaço
Enrolou-a com os sete braços e isolou-a dos seus pares
Peito apertado a aço
Com corrente nos lugares
Onde concorrente chegasse e p'la corrente levada
Lavou-se toda a verdade, manipulada a realidade
Pelas luzes epilépticas
Porque se está destinado p'ra quê as questões cépticas?
Por duas vezes te tirou da ideia
Não aceitaste que perdeste e teceste nova teia
E voltaste a tornar crente quem já se cria ateia
O fogo por ti extinto e os olhos cheios de areia
Ela tinha medo de alturas e tu tinha-la num altar
Chegou o dia em que caiu, e eu passo a explicar:
Porque sim, e porque não, chamaste-lhe tudo menos santa
Com a réstia de sanidade lá te deu a final tampa
Andou perdida e desorientada
Mesmo sem crime foi da identidade roubada
E já se tendo encontrado mantém a frase gravada
"Ficavas comigo mesmo que te desse porrada"
Apostou que esquecia, perdeu a aposta
É verdade conhecida, a que deixo aqui reposta
Nem sempre é bom para nós o que se acha que se gosta
(Nem sempre é bom para nós o que se acha que se gosta.)
Só mais uma história, a tantas análoga
Enchi a memória, virei psicóloga
Estica-te no sofá, fala da porta arrombada
Dramas de faca e alguidar, choram as pedras da calçada
A primeira é literal e o segundo literário
É menos poesia que abertura de noticiário
Mensagens guardadas, o registo diário
Bem mais que três pancadas dadas em qualquer horário
A agressão transcende o corpo, é transformada em peso-morto
E que o sustente o outro, enterrada ainda é pouco
Esta atormenta os ouvidos se carregada no ombro
E é difícil ver umbigos no meio do escombro
Tu, quantos contos? Quantos tens e quantos contas?
Quantos romantizados? Tipo o Smith e a Pocahontas?
Ninguém contou cores no vento foi um método bem mais violento
E insistem nos contactos tantos anos voltados
É para se saber de facto o limite de bloqueados?
Ainda se regozijam por lhes ser dada importância
É preciso vomitar p'ra poder parar a ânsia...