Capítulo 4 Versículo 3 [Ao Vivo]

Pedro Paulo Soares Pereira, Kleber Geraldo Lelis Simoes

São Paulo, 24 de novembro
Vinte e um anos depois
Pela primeira vez na história do Brasil
O número de homicídios superou a casa de 60 mil em um ano
72% desses homicídios são causados por armas de fogo
54% das vítimas totais do país são jovens entre 15 e 29 anos
72% das pessoas assassinadas no Brasil são negras ou pardas
Esse número significa, como você já deve ter ouvido anteriormente
A cada quatro pessoas mortas pela polícia
Três continuam sendo negras
Aqui quem fala é Jorge Mário da Silva
Mais um sobrevivente

Sobrevivi até 2019, senhor
Oh, glória, inacreditável
Oh, aleluia

1998
Minha intenção é ruim esvazia o lugar
Eu 'to em cima eu 'to afim um dois pra atirar
Eu sou bem pior do que você 'tá vendo
O preto aqui não tem dó é 100% veneno
A primeira faz bum, a segunda faz tah
Eu tenho uma missão e não vou parar

Meu estilo é pesado e faz tremer o chão
Minha palavra vale um tiro eu tenho muita munição
Na queda ou na seção minha atitude vai alem
E tenho disposição pro mal e pro bem
Talvez eu seja um sádico ou um anjo, um mágico
Juiz ou réu, um bandido do céu
Malandro ou otário, padre sanguinário
Franco atirador se for necessário
Revolucionário, insano ou marginal
Antigo e moderno
Fronteira do céu com o inferno
Astral imprevisível, como um ataque cardíaco no verso
Violentamente pacífico, verídico
Eu vim pra sabotar seu raciocínio
E pra abalar seu sistema nervoso e sanguíneo
Pra mim ainda eh pouco da cachorro louco
Numero um dia terrorista da periferia
Uni-duni-te o que eu tenho pra você
Um rap venenoso ou uma rajada de PT
E se fez como previsto
2019, depois de Cristo a fúria negra ressuscita outra vez
Racionais, capitulo quatro, versículo três

Filhas da puta
Vai radiar
Chama na radiação
Força, proteção contra a covardia e a traição

Filha da puta, pá, pá, pá
Faz frio em São paulo pra mim 'tá sempre bom
Eu 'to na rua de bombeta e moletom
Dim dim dom rap é o som que emana no Opala marrom
E aí chama o Guilherme, chama o Fanho e chama o Dinho
E o Gui, Marquinho, chama o Éder vamo aí
Se os outros mano vem pela ordem tudo bem melhor
Quem é quem no bilhar no dominó

Colou dois mano um acenou pra mim
De jaco de cetim, de tênis, calca jeans
Ei Brown sai fora nem vai, nem cola, não
Não vale a pena dar ideia nesse tipo aí
Ontem a noite eu vi na beira do asfalto
Tragando a morte soprando a vida pro alto
ó os cara só o pó, pele e osso
No fundo do poço, mó flagrante no bolso

Veja bem ninguém é mais que ninguém
Veja bem, veja bem e eles são nossos irmãos também
Mar de cocaína e crack, Whisky e conhaque
Os mano morre rapidinho sem lugar de destaque

É mas quem sou eu pra fala de quem cheira ou quem fuma nem dá
Nunca te dei porra nenhuma
Você fuma o que vem, entope o nariz
Bebe tudo que vê, faça o diabo feliz
Você vai terminar tipo o outro mano lá
Que era um preto tipo A ninguém 'tava numa
Mó estilo de calça Calvin Klein, tênis Puma (ei)
Um jeito humilde de ser no trampo e no rolê
Curtia um funk jogava uma bola
Buscava ah preta dele no portão da escola
Exemplo pra nóis, mó moral, mó ibope
Mas começou cola com os playboy do shopping (aí já era)

Oh, outra vida outro pique
Só mina de elite, balada vários drinque
Puta de butique, toda aquela porra sexo sem limite
Sodoma e gomorra
Faz uns nove anos
Tem uns quinze dias atras eu vi o mano
Se tem que ver pedindo cigarro pros tiozinho no ponto
Dente tudo zuado, bolso sem nenhum conto

O cara cheira mal, azía, sente medo
Muito loco de sei lá o que logo cedo
Agora não oferece mais perigo
Viciado, doente, fodido, inofensivo
Um dia um PM negro veio embaçar
E disse pra eu me por no meu lugar
Eu vejo um mano nessas condições (não dá)
Será assim que eu deveria estar
Irmão o demônio fode tudo ao seu redor
Pelo radio, jornal, revista e outdoor
Te oferece dinheiro, conversa com calma
Contamina seu caráter, rouba sua alma
É, depois te joga na merda sozinho
Transforma um preto tipo A num neguinho

Minha palavra alivia sua dor, ilumina minha alma
Louvado seja o meu senhor
Que não deixa o mano aqui desandar
E nem senta o dedo em nenhum pilantra
Mas que nenhum filha da puta ignore a minha lei
Racionais, capítulo 4, versículo 3

Quatro minutos se passaram e ninguém viu
O monstro que nasceu em algum lugar do Brasil
Talvez o mano que trampa debaixo do carro sujo de óleo
Que enquadra o carro forte na febre com o sangue nos olhos
O mano que entrega envelope o dia inteiro no sol
Ou o que vende chocolate de farol em farol
Talvez o cara que defende o pobre no tribunal
Ou o que procura vida nova na condicional
Alguém no quarto de madeira
Lendo a luz de vela, ouvindo radio velho
No fundo de uma cela ou
Da família real de negro como eu sou
Um príncipe guerreiro que defende o gol

E eu não mudo, não eu não me iludo
Os mano cú de burro, tem eu sei de tudo
Em troca de dinheiro e um carro bom
Tem mano que rebola e usa até batom
Vários patrícios falam merda pra todo mundo rir
Haha, pra ver branquinho aplaudir
Na sua área tem fulano até pior
Cada um cada um, você se sente só
Tem mano que te aponta uma pistola e fala sério
Explode sua cara por um toca fita velho
Click plau plau plau e acabou sem dó e sem dor
Foda-se sua cor, limpa o sangue com a camisa
E mande se foder você sabe porque pra onde vai pra que
Vai de bar em bar, de esquina em esquina, pega cinquenta conto
Troca por cocaína, enfim o filme acabou pra você
Ah bala não é de festim, aqui não tem dublê
Para os mano da Baixada Fluminense a Ceilândia (eu sei)
As ruas não são como a Disneylândia

De Guaianases ao extremo sul de Santo Amaro
Ser um preto tipo A custa caro
É foda , foda é assistir a propaganda e ver
Não dá pra ter aquilo pra você
Playboy forgado de brinco, um trouxa
Roubado dentro do carro na Avenida Rebouças
Correntinha das moça, as madame de bolsa, dinheiro
Não tive pai, não sou herdeiro
Se eu fosse aquele cara que se humilha no sinal
Por menos de um real minha chance era pouca
Mas se eu fosse aquele moleque de toca
Que engatilha e enfia o cano dentro da sua boca
De quebrada, sem roupa você e sua mina
Um, dois, nem me viu, já sumi na neblina
Mas não, eu permaneço vivo prossigo a mística
Quatro ponto nove, contrariando a estatística
Seu comercial de TV não me engana
Eu não preciso de status nem fama
Seu carro e sua grana já não me seduz
E nem a sua puta de olhos azuis

Eu sou apenas um rapaz latino americano
Apoiado por mais de cinquenta mil manos
Efeito colateral que o seu sistema fez
Racionais, Capítulo 4, Versículo 3

Filhas da puta

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